Blog dos Livros

A solidão humana

13/12/2024 09:36 - por Mildo Fenner mildofenner@hotmail.com

Escrever é disparar flechas com as palavras. Essa parece ser a premissa do jornalista, escritor e crítico literário  Bruno Inácio na obra recém-lançada “De repente nenhum som” (Editora Sabiá Livros, 112 páginas), seu terceiro livro, em que comprova sua força como narrador. Composto de 12 contos breves, nos quais as palavras parecem jorrar da ponta de sua caneta com brutal delicadeza,  Bruno vai tecendo uma teia  que, aos poucos, se une por um fio invisível, que atinge o leitor como um tiro ao alvo.

Em “De repente nenhum som,”  o autor passa por narrativas que abordam relações familiares e discutem temas como luto,  a velhice, a solidão, o desconforto e, principalmente, o silêncio. O livro conta com texto de orelha assinado  pela escritora  Marcela Dantés, prefácio de Monique Malcher e posfácio de Lilia Guerra. 

A ideia para o livro nasceu de uma experiência traumática para o autor. Em 2018, sua avó materna caiu sozinha em seu quintal e não teve forças para se levantar. Este acontecimento foi impactante para ele, tendo meditado a respeito da fragilidade de um corpo  que já não consegue se reerguer. A avó faleceu naquele mesmo ano e deixou um grande vazio  em toda família. Algum tempo depois, em 2019, Bruno sentiu a necessidade de revisitar a  história e    escrever um conto  em que a protagonista passa pela mesma situação.

Um dos temas centrais  e  que merece destaque na obra  é o silêncio em suas múltiplas  e  mais diversas formas. Um silêncio abrangente e cheio de nuances. Em cada um dos contos, ele aparece  sob uma forma diferente. Segundo o autor,  o tema pareceu ainda pouco explorado na literatura brasileira contemporânea, o que tornou o processo de  escrita   ainda mais interessante.

Em “A porta amarela,” por exemplo,  um sujeito chamado Ribeiro vive trancado em casa porque acredita que “lá fora é perigoso, tem tiro e golpe e sujeira e  mentira e doença.” Através de uma ligação íntima com o pintor Cândido Portinari, o personagem tenta  se convencer a todo custo  de que “há na solidão  um charme  irresistível.” 

No conto “Céu de Ninguém,” inspirado na queda de sua avó, Bruno retrata uma idosa que cai logo após sair  de casa e se sente humilhada pela incapacidade do seu corpo de  se proteger e reagir. O seu silêncio espantoso diante da velhice é retratado de maneiro crua: “A velhice humilha. Essa carcaça já não me pertence. Reuni todas as forças restantes para um grito. Sacrifício dos mais bestas.  Ninguém vem em socorro. Choro humilhada.  Não queria ser vista assim. Nunca.”

Nascido em Ituverava, interior de São  Paulo,  mas radicado em Uberlândia,  Minas Gerais, Bruno Inácio é também autor de “Desprazeres  existenciais em colapso” e “Desemprego e outras heresias.” É colaborador do jornal Rascunho e da São Paulo Review e  tem textos publicados em diversos jornais e revistas do país e do exterior. 

Trecho:
“Há um silêncio-protesto no início da sessão. Quero deixar claro que minha associação livre não será tão livre dessa vez. Ela permite que o silêncio se estenda até deixar de ser desconfortável.  Quando eu sair daqui, vou comprar flores. Tulipas ou girassóis, suas preferidas. Ainda não entendo  como um ano passou tão depressa. Também  não sei por que sinto tanto falta. Não acho que seja simplesmente memória afetiva, sabe? Talvez uma identificação tardia com o seu jeito rude e, ao mesmo tempo, tão sensível. As frases ácidas. O pessimismo. Os traumas que nunca conheci. A coragem de dizer o que pensa. E também de fazer silêncios.”
(página 99)

AINDA ESTOU AQUI
Com o sucesso do filme “Ainda estou aqui,”   dirigido por Walter Salles, baseado na obra com o mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, aumentaram as vendas  dos livros deste escritor em  todo o país. “Feliz Ano Velho,” o primeiro do escritor e jornalista, lançado há 42 anos contando a história do acidente que o deixou em cadeira de rodas, já está na lista dos dez mais. Em “Ainda estou aqui” Marcelo Rubens Paiva detalha a vida da mãe, Eunice Paiva, e da resistência dela à ditadura militar após o sequestro e assassinato  do ex-deputado Rubens Paiva,  seu marido,  em 1971.

PRÊMIO TODAVIA
Estão abertas até 30 de abril de 2025 as inscrições para a nova edição do Prêmio Todavia de Não Ficção, que contemplará ao vencedor  com um contrato de publicação  que inclui um adiantamento no valor de R$ 15 mil. Serão aceitos projetos de biografias de personalidades brasileiras excluídas da chamada história oficial do país. A inscrição pode ser feita na página da Editora Todavia,  para onde deverão ser enviados os trabalhos.

Leituras:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros...livros à mão-cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É gérmen –que faz a palma,
É chuva –que faz o mar.”
(Castro Alves,  14 de março de 1847/6 de julho de 1871, poeta brasileiro da terceira geração do Romantismo, autor de clássicos como “Espumas Flutuantes” e “Hinos do Equador,” sendo sua obra mais famosa “O navio negreiro,” conhecido como “poeta dos escravos.”)

Destaques:
NOVIDADES NA MOCHILA


Autora:
Mariana Marinho 

O livro conta a história de Duda, uma criança curiosa  que, depois de ter explorado os cantinhos de sua casa, vai começar a frequentar  a escola, um lugar especial, com pessoas diferentes e brinquedos  coloridos, onde vai se divertir muito. Ela leva sua nova mochila  e começa a  descobrir as maravilhas  sobre as quais os pais lhe falaram, mas, ao mesmo tempo,  tem alguns sentimentos e  sensações que, além de alegria, geram receios.  Trata-se de uma obra de fácil leitura, destinada aos pequenos, aos pais e  aos professores e  educadores. A autora a concebeu a partir  de sua experiência em sala de aula,  por sentir falta de um material que oferecesse significado às crianças  pequenas que entram na escola e vivenciam momentos de adaptação. Ilustrações de Lisie De Lucca.

Editora Paulinas. 32 páginas.   

FILÓSOFAS


Autoras:
Natasha Hennemann e Fabiana Lessa

A Filosofia sempre teve o rosto  de um homem velho e reflexivo,  com uma barba longa e  uma túnica grega. Mas essa figura  acaba excluindo a imagem (e, por consequência, o trabalho) de  outros filósofos dentro do nosso imaginário. E onde estão as mulheres filósofas? Este livro  faz justiça a grandes mulheres intelectuais, dando a visibilidade que suas ideias e ações merecem.
Editora Maquinaria.  277 páginas.  R$ 59,90.

(As obras apontadas  no Blog dos Livros podem ser encontradas   junto à Revistaria e Livraria Nascente, na Rua Saldanha Marinho,   1423, Cachoeira   do Sul) 

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