Blog do Cinema
Lobisomem: mal interior
Para quem acha que o Universo Marvel foi inovador ao estabelecer um território comum para vários personagens de origens distintas, vale a pena lembrar que não há muita novidade aí. Há 94 anos o Estúdio Universal criou o que se poderia chamar de um pioneiro universo próprio na história do cinema. Em 1931, com o lançamento de “Drácula”, o estúdio deu início ao que ficou conhecido como o universo dos “Monstros da Universal”.
Na sequência vieram os demais filmes da primeira leva: “Frankenstein” (1931), “A Múmia” (1932), “O Homem Invisível” (1933) e “O Lobisomem de Londres” (1935). Todos os filmes tiveram sequências e eventualmente, no futuro, se encontrariam e compartilhariam suas histórias em outras produções.
Com resultados diversos, transitando entre o êxito absoluto e a mais profunda decepção, todos os filmes foram refilmados diversas vezes ao longo do tempo, sempre na tentativa de reestabelecer uma franquia que fez tanto sucesso no passado. “Drácula”, por exemplo, ganhou uma versão respeitável pelas mãos de Francis Ford Coppola em 1992.
Dois anos depois chegou a vez de recriar “Frankenstein”. A versão dirigida por Kenneth Branagh, estrelada por Robert De Niro como o “monstro”, ficou aquém da expectativa gerada e interrompeu temporariamente o projeto de reabilitar os demais Monstros da Universal.
A retomada do projeto só aconteceu em 2010 com um remake “O Lobisomem” com Benicio Del Toro no papel título. O resultado foi, digamos, mais ou menos, passando em branco pelas salas de cinema. A tentativa seguinte chegou forte, com um nome de peso à frente do projeto. Lançado em 2017 “A Múmia” apostou todas as fichas no poder de bilheteria do astro Tom Cruise.
Resultado: um vexame absoluto. O filme foi um desastre monumental, um dos raríssimos fracassos da carreira de Tom Cruise. A nova tentativa de recriação dos clássicos de horror da Universal aconteceu em 2020. “O Homem Invisível”, dirigido por Leigh Whannell, se mostrou uma obra extremamente criativa na adaptação dos conceitos da obra original para os temas da atualidade. Por este resultado plenamente satisfatório o nome do realizador foi indicado mais uma vez para assumir o novo remake de “Lobisomem” que está chegando às telas dos cinemas em todo o mundo neste início de 2025.
A mitologia básica da figura lendária do Lobisomem já é conhecida à exaustão por todos: o homem que se transforma em lobo revelando seu mal interior em noites de lua cheia. Portanto, a retomada da personagem não faria nenhum sentido apenas recriando sua origem. Esta é uma etapa superada. A reelaboração do mito faz mais sentido ao colocá-lo diante de novos contextos e sujeitos às questões morais e sociais do seu tempo. Neste aspecto este “Lobisomem” é contemporâneo e ressignifica sua própria existência no século 21.
O prólogo, que contém toda a promessa da história, já dá conta de apresentar, com pouco contexto, o alcance da ameaça da fera bestial, que, para todos efeitos, é uma metáfora do Mal interior do próprio homem. Um jovem e seu pai, que vivem em uma casa isolada na floresta se deparam com uma criatura horripilante que aterroriza o local. Trinta anos depois aquele jovem, Blake (Christopher Abbott), é um adulto casado com Charlotte (Julia Garner), com uma filha, Ginger.
O casamento está em um momento problemático e as preocupações só aumentam quando Blake fica sabendo da morte do pai, que lhe deixa como herança a velha casa na floresta. Juntos decidem viajar para passarem algum tempo juntos na nova moradia, como uma forma de se reconectarem como família. Quando estão chegando à casa são atacados por um animal invisível. A casa isolada passa a ser então o único refúgio da família ameaçada. A temporada de relaxamento no meio da floresta acaba se transformando em uma odisseia de sobrevivência.
Nesta versão o diretor Leigh Whannell parece menos interessado na tradição e nos detalhes da origem do lobisomem. Seu olhar está voltado para os efeitos colaterais da infecção que transforma o homem em fera e provoca o desequilíbrio da família, em nível emocional e físico. A alteração corporal de Blake é tratada metaforicamente como uma “doença” que ameaça a família confinada nos limites de sua casa.
Em entrevistas prévias de divulgação o diretor confirmou que uma das inspirações para esta abordagem foi o período da pandemia de Covid-19. Ao explorar novos caminhos “Lobisomem” abandona o horror clássico e abraça o terror psicológico, fazendo jus à frase popularizada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes: “o homem é o lobo do homem”.
“Lobisomem” de Leigh Whannell acerta na maior parte do tempo entregando ao público uma narrativa marcada pelo suspense, ainda que ceda inevitavelmente aos clichês clássicos do gênero. A proposta de respeitar parcialmente o mito da criatura revela alguma ousadia do realizador, mas não consegue efetivamente entregar a obra inovadora como pretendia. Neste aspecto seu filme anterior, “O Homem Invisível”, se saiu melhor.
Encontrou algum erro? Informe aqui
O Judoka: em busca do filme perdido
Os 50 anos da pioneira adaptação de quadrinhos brasileira