Blog da Poesia
Mia Couto, Poeta
Mia Couto nasceu em Moçambique. É biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia. Seu romance Terra Sonâmbula é considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX.
Em 2013, o autor recebeu o Camões, uma das premiações literárias mais prestigiosas concedidas a escritores em língua portuguesa.
Mia é um autor contemporâneo. Sua escrita também.
Seus poemas são antes de tudo reflexivos e filosóficos- não no sentido de métodos ou conceitos- e sim, na premissa ruminante e luminosa que despretensiosamente se aproxima de respostas latentes e ao mesmo tempo valoriza a ignorância de não saber tudo (Numa espécie de referência ao desconhecido).
Trata-se de uma poética não didática que aborda o ser e a dor basilar de existir em textos geridos pelo espanto genuíno e pela perplexidade que multiplica epifanias. O lirismo como submissão aos sentidos. Agora/quero apenas/o que havia antes de haver a vida/a semente.
Os escritos do Moçambicano se caracterizam por ser atípica e testemunhar um tempo único, não cronológico. (A passagem do tempo é uma temática recorrente em sua obra).
Escritor dissonante. Poeta sui generis.
Que faz caber à existência humana dentro do verso de aparência simples.
Ecoam aqui as célebres palavras de Clarice Lispector: “Não sou eu quem escrevo, são meus livros que me escrevem’’.
Grandes escritores e poetas como Clarice e Mia Couto sabem disso.
A primeira vez da idade
A vez
Que tive mais idade
Foi aos cinco anos.
Meu pai,
Com solenidade que eu desconhecia
Perante seus superiores hierárquicos,
Apontou e disse:
- Este é meu filho!
E deu-me a mão
Coroando-me rei.
Saudade
Que saudade
tenho de nascer.
Nostalgia
de esperar por um nome
como quem volta
à casa que nunca ninguém habitou.
Não precisas da vida, poeta.
Assim falava a avó.
Deus vive por nós, sentenciava.
E regressava às orações.
A casa voltava
ao ventre do silêncio
e dava vontade de nascer.
Que saudade
tenho de Deus."
Idade
Mente o tempo:
a idade que tenho
só se mede por infinitos.
Pois eu não vivo por extenso.
Apenas fui a Vida
em relampejo do incenso.
Quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso."
Horário do Fim
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento
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Plano piloto para poesia concreta [1958]
Por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos