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Os ombros suportam o mundo, de Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade é considerado o maior poeta brasileiro do século XX.
Eu diria inclusive mais: trata-se do poeta que redefiniu a poesia moderna no país.
O poeta escreveu sobre os mais diversos temas: o amor, a solidão, e a guerra, o seu tempo histórico.
Os ombros suportam o mundo, poema mencionado neste post foi publicado 1940, na transição entre a segunda e a terceira fase do modernismo brasileira e permanece relevante e atemporal. O poema fala sobre um estado de cansaço, sobre uma vida vazia: sem amigos, sem amores, sem fé.
Reflete o existencialismo e seus nuances.
Os versos nos lembram os aspectos tristes do mundo - a guerra, a injustiça social, a fome.
O sujeito retratado no poema, no entanto, resiste, apesar de tudo.
Ao dizer: teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança, Drummond ressalta para a ideia de como o peso pode se tornar leveza. A imagem metafórica da mão da criança em contraste coma realidade seca e rude que o poema como um todo apresenta. É a representação da liberdade ante o fardo a ser carregado.
A tradução do peso em leveza, da dor em alegria ... o que chamamos de Fati – expressão latina que quer dizer “amor ao destino’’.
Um amor que resulta do ódio ou até mesmo da falta de amor.
Um poema a luz do pensamento de Nietsche e de toda sua estética de pensamento.
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Plano piloto para poesia concreta [1958]
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