Blog da Poesia
Poesia marginal ou geração mimeógrafo
Ainda na década de 170, após o auge e a dissolução do movimento tropicalista, surgiu uma geração de jovens poetas que buscou prosseguir com o ideal da contracultura brasileira.
Esse grupo de poetas trouxe novas ideias para o campo artístico e literário brasileiro, sobretudo no que diz respeito às formas e publicação e de circulação da poesia.
Essa geração surgiu em contexto no qual os órgãos de censura acompanhavam de perto as publicações literárias e impressas. Além disso, esses escritores enfrentavam um cenário editorial cada vez mais fechado e pautado nas vendas de mercado.
Como solução para driblar esses problemas, esses referidos poetas passaram a produzir seus próprios livros, de forma caseira, artesanal e independente. Para isso, uma das técnicas utilizadas foi o mimeógrafo, um antigo aparelho para a reprodução de material impresso. Com os livros impressos, os poetas circulavam pelas cidades, vendendo-os de mão em mão, independente do mercado editorial.
O movimento conhecido como poesia marginal ou geração mimeógrafo buscou aproximar a poesia da vida cotidiana, trabalhando para consolidar uma tendência da poesia brasileira surgida já no primeiro momento do modernismo.
Entre os temas, destaque para fatos do cotidiano, de uma rotina simples, às vezes trivial acontecimentos banais, conversas descontraídas – passagem do tempo, amor, paixões, sexo e a realidade social e política do país.
Sarcasmo, ironia, humor, palavrões e gírias de periferia eram recorrentes nos poemas do movimento sociocultural e artístico.
Em resumo, a Poesia Marginal ou a Geração Mimeógrafo foi um movimento sociocultural que atingiu as artes, tais como, a música, cinema, teatro, artes plásticas e, sobretudo, a literatura.
Os poetas em questão recusavam qualquer modelo literário, de forma que não se encaixavam em nenhuma escola ou tradição literária.
A poesia em si era formada, em sua maioria, por pequenos textos, alguns com apelo visual, fotos, quadrinhos, absorvidos por uma linguagem coloquial, espontânea, inconsciente e com traços de oralidade.
No campo musical destacaram-se Tom Zé, Jorge Mautner e Luiz Melodia. Nas artes plásticas, Lygia Clark e Hélio Oiticica se identificaram com o movimento.
Na literatura, mais especificamente na poesia, os principias nomes foram, Chacal, Cacaso, Torquato Neto, Paulo Leminski, Roberto Piva e Ana Cristina César.
ANA CRISTINA CESAR
Ana Cristina Cesar foi uma poeta brasileira do fim do século XX. Suas obras, além de integrarem o movimento da poesia marginal, possui um teor extremamente intimista e inovador quebrando a forma tradicional da poesia convencional, usando versos sem rimas ou métricas, muitas vezes poemas sem títulos e uma linguagem pautada na informalidade.
Ao longo de sua vida, publicou livros de maneira totalmente independente, com exceção de um, Aos teus pés, de 1982, publicado pela Brasiliense, editora que na época destacou-se por divulgar os poetas marginais e texto de contracultura.
A poética de Ana Cristina Cesar ficou marcadas pela densidade e singularidade.
A liberdade irrestrita de criação, a fragmentação, caráter intimista, ironia, crítica social, temática cotidiana, mescla de prosa e verso, presença de voz feminina e elementos autobiográficos foram algumas características preponderantes em sua produção.
Morreu aos 31 anos, em outubro de 1983.
"O riso amarelo do medo”, de Francisco Alvim, é ironicamente antiacadêmico:
Brandindo um espadim
do melhor aço de Toledo
ele irrompeu pela Academia
Cabeças rolam por toda parte
é preciso defender o pão de nossos filhos
respeitar a autoridade
O atualíssimo evangelho dos discursos
diz que um deus nos fez desiguais"
"Flores do mais”, de Ana Cristina Cesar, mostra a ambiguidade associada a acontecimentos naturais:
devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações
construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
Por fim, em “20 anos recolhidos”, de Chacal, o eu lírico expressa a inevitabilidade da mudança:
chegou a hora de amar desesperadamente
apaixonadamente
descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado, mas que chega"
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