Blog dos Livros

Segredo guardado por 50 anos

24/01/2025 10:14 - por Mildo Fenner mildofenner@hotmail.com

“O dia em que conheci Brilhante Ustra”(Editora Geração, 160 páginas, R$ 59,90), de Alexandre Solnik, relata a prisão do autor, um jovem descontraído de 23 anos, de bem com a vida e que queria ser cineasta, no dia 4  de  setembro de 1973, na casa de seus pais. Conta seu encarceramento  por aterrorizantes 45 dias e sua soltura, sem nenhuma explicação, jogado na rua,  depois de viver e  testemunhar, neste período, os horrores de violências e torturas, por parte da ditadura militar brasileira, contra presos políticos. Agora lançada, a obra fala, ainda, sobre os repulsivos e monstruosos interrogatórios, entremeados com choques elétricos, espancamentos e outras barbaridades feitas pelos torturadores, e diz como foi seu contato com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o maior torturador da ditadura.

O Brasil vivia na época uma ditadura militar, com enfrentamento  entre grupos de luta armada e o governo, que recorreu à repressão, criando pelotões clandestinos, fazendo prisões ilegais e promovendo tortura e morte de pessoas, muitas delas inocentes.  Foi o caso do autor Alexandre Solnik,  confundido com um militante desses grupos.  Preso em sua casa sem qualquer motivo,  relata sua rotina na prisão em um diário, dia após dia, em um pesadelo kafkiano.  Descreve seu medos,  terrores e  sensações e  relembra fatos de sua vida  e  dos membros de sua família.

O relato do livro é muito pungente. Não obstante toda a violência, há pequenos respiros no texto,  entremeado por brevíssimos e inusitados  trechos de humor,  digressões e poesia. Sobretudo quando é amarga, triste ou desesperada, a poesia (escreveu 45 poemas na prisão)  empresta beleza ao texto, que, no entanto, não abandona a narrativa corrente, ganhando tons de diário jornalístico.

As cenas de tortura são o auge da bestialidade relatada no livro. Nesta parte, o relato é muito real e eloquente, conseguindo levar o leitor aos porões da ditadura militar brasileira.  Impressiona também a descrição psicológica dos carcereiros e torturadores. Como escreveu o cardeal Dom Evaristo Arns, o torturador pode ser aquele que passa a mão na cabeça do filho do vizinho na rua. Isso dá um caráter humano  às entranhas sombrias que podem habitar  uma pessoa imbuída de um poder quase absoluto sobre a outra.

No livro, Alexandre Solnik conta os encontros que teve com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que torturou a ex-presidente Dilma Rousseff e foi idolatrado por outro  ex-presidente. Segundo o autor, foram várias as tentativas de escrever a história, guardada por 50 anos. Ele relata que não conseguia traduzir em palavras o pesadelo que passou no X-5, como era chamada a cela na prisão. Até que, em maio do ano de 2024,  voltou ao local  e pôde reconstituir seus pensamentos da época, dia por dia.

Nascido em Drohobytch, Ucrânia, em 1949, Alexandre Solnik  chegou ao Brasil em 1958 com seus pais.  Jornalista profissional desde 1974, assinou centenas de reportagens nos principais jornais e  revistas  do país e  escreveu vários livros, dentre os quais  “O cofre do Adhemar,” “A última batalha de Napoleão,” “A ilha socialista de D. Pedro II”  e  a peça de  teatro “O casamento do Pau-Brasil  com a  foice e o martelo.”

Trecho:
“Ouvia palavras soltas que não se comunicavam e não entendia  muito bem o significado delas. As pancadas  nem sentia mais, os choques abalavam  sempre, não tem jeito e já não tinha noção  de há quantas horas estava sendo massacrado. Alguém  trouxe mais um balde de água. O pobre torturado  já preparava  o corpo imaginando  que ia ser molhado de novo, mas  para quê, pensou, se ainda  estou molhado, estão desperdiçando água. Os torturadores  não jogaram água nele daquela vez, mas um  deles se aproximou com o balde na mão e quando chegou bem perto o agarrou pelos cabelos  e mergulhou seu rosto  no balde.”
(página 80)

PRÊMIO LEYA 2025
Até 30 de abril estão abertas as inscrições para o consagrado Prêmio Leya,  que tem por objetivo  incentivar a produção de obras em Língua Portuguesa. O romance vencedor levará o prêmio de 50 mil euros e  a Editora Leya  fará uma edição com a obra premiada.

PRÊMIO  TODAVIA
Também até 30 de abril acham-se abertas as inscrições  para a quarta edição do Prêmio Todavia de Não Ficção,  que recebe trabalhos  de biografias  de personalidades brasileiras  excluídas da história oficial do país.  O vencedor  ganhará acompanhamento e  edição do livro, mais um contrato de publicação que inclui um adiantamento de R$ 15 mil. 

Leituras:
“As massas nunca conheceram a  sede de verdade. Elas exigem ilusões, às quais não podem renunciar.”
(Sigmund Freud, 6 de maio de 1856/23 de  setembro de 1939, médico neurologista e psicanalista austríaco,  fundador da Psicanálise  e  considerado personalidade mais influente da história no campo de Psicologia).

Destaques:
SAMBA FANDANGO 


Autor:
Andreas Chamorro

Violência e  o crime são tomados do domínio masculino por travestis, mulheres gays e lésbicas neste livro, que se mostra uma ode a histórias margilizadas em um retrato rico e multifacetado. Nascido em  1994,  o autor já publicou o romance “Antes que o fruto caia” e as coletâneas de contos “Divindades Solitárias” e “A orgia perpétua ou o relatório de Pimenta.”
Editora Aboio. 228 páginas.   

A BIBLIOTECA DOS SONHOS SECRETOS


Autora:
Michiko Aoyama

Em cinco histórias independentes  que se entrelaçam  de maneira sutil,  o leitor conhecerá  pessoas que estão em momentos diferentes da vida, lidando  com situações como a frustração no trabalho, a falta de oportunidades, o medo do fracasso e  a vontade de começar  de novo. A senhora Komachi, da biblioteca do Centro Comunitário de Tóquio,  tem o dom de  saber exatamente  de qual livro cada visitante precisa para mudar de perspectiva  e  voltar a  alimentar seus sonhos. “A biblioteca  dos sonhos secretos”  foi vice-campeão  do Japan Booksellers Awards de 2021 e já vendeu mais de 250 mil exemplares.
Editora Sextante. 230 páginas.  R$ 49,90.

(As obras apontadas  no Blog dos Livros podem ser encontradas   junto à Revistaria e Livraria Nascente, na Rua Saldanha Marinho,   1423, Cachoeira   do Sul)                       

Encontrou algum erro? Informe aqui

Faça seu login para comentar!
10/01/2025 10:08

Fora dos limites

03/01/2025 09:10

Amizade e vingança

27/12/2024 09:27

O novo amor romântico

20/12/2024 09:42

Fora do entendimento fácil

13/12/2024 09:36

A solidão humana

06/12/2024 09:26

Lideranças femininas

22/11/2024 09:19

Rupturas emocionais

16/11/2024 10:18

Do regional ao universal

08/11/2024 09:20

Contos de Kafka

01/11/2024 09:23

O universo dos destilados