Blog dos Livros
Segredo guardado por 50 anos
“O dia em que conheci Brilhante Ustra”(Editora Geração, 160 páginas, R$ 59,90), de Alexandre Solnik, relata a prisão do autor, um jovem descontraído de 23 anos, de bem com a vida e que queria ser cineasta, no dia 4 de setembro de 1973, na casa de seus pais. Conta seu encarceramento por aterrorizantes 45 dias e sua soltura, sem nenhuma explicação, jogado na rua, depois de viver e testemunhar, neste período, os horrores de violências e torturas, por parte da ditadura militar brasileira, contra presos políticos. Agora lançada, a obra fala, ainda, sobre os repulsivos e monstruosos interrogatórios, entremeados com choques elétricos, espancamentos e outras barbaridades feitas pelos torturadores, e diz como foi seu contato com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o maior torturador da ditadura.
O Brasil vivia na época uma ditadura militar, com enfrentamento entre grupos de luta armada e o governo, que recorreu à repressão, criando pelotões clandestinos, fazendo prisões ilegais e promovendo tortura e morte de pessoas, muitas delas inocentes. Foi o caso do autor Alexandre Solnik, confundido com um militante desses grupos. Preso em sua casa sem qualquer motivo, relata sua rotina na prisão em um diário, dia após dia, em um pesadelo kafkiano. Descreve seu medos, terrores e sensações e relembra fatos de sua vida e dos membros de sua família.
O relato do livro é muito pungente. Não obstante toda a violência, há pequenos respiros no texto, entremeado por brevíssimos e inusitados trechos de humor, digressões e poesia. Sobretudo quando é amarga, triste ou desesperada, a poesia (escreveu 45 poemas na prisão) empresta beleza ao texto, que, no entanto, não abandona a narrativa corrente, ganhando tons de diário jornalístico.
As cenas de tortura são o auge da bestialidade relatada no livro. Nesta parte, o relato é muito real e eloquente, conseguindo levar o leitor aos porões da ditadura militar brasileira. Impressiona também a descrição psicológica dos carcereiros e torturadores. Como escreveu o cardeal Dom Evaristo Arns, o torturador pode ser aquele que passa a mão na cabeça do filho do vizinho na rua. Isso dá um caráter humano às entranhas sombrias que podem habitar uma pessoa imbuída de um poder quase absoluto sobre a outra.
No livro, Alexandre Solnik conta os encontros que teve com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que torturou a ex-presidente Dilma Rousseff e foi idolatrado por outro ex-presidente. Segundo o autor, foram várias as tentativas de escrever a história, guardada por 50 anos. Ele relata que não conseguia traduzir em palavras o pesadelo que passou no X-5, como era chamada a cela na prisão. Até que, em maio do ano de 2024, voltou ao local e pôde reconstituir seus pensamentos da época, dia por dia.
Nascido em Drohobytch, Ucrânia, em 1949, Alexandre Solnik chegou ao Brasil em 1958 com seus pais. Jornalista profissional desde 1974, assinou centenas de reportagens nos principais jornais e revistas do país e escreveu vários livros, dentre os quais “O cofre do Adhemar,” “A última batalha de Napoleão,” “A ilha socialista de D. Pedro II” e a peça de teatro “O casamento do Pau-Brasil com a foice e o martelo.”
Trecho:
“Ouvia palavras soltas que não se comunicavam e não entendia muito bem o significado delas. As pancadas nem sentia mais, os choques abalavam sempre, não tem jeito e já não tinha noção de há quantas horas estava sendo massacrado. Alguém trouxe mais um balde de água. O pobre torturado já preparava o corpo imaginando que ia ser molhado de novo, mas para quê, pensou, se ainda estou molhado, estão desperdiçando água. Os torturadores não jogaram água nele daquela vez, mas um deles se aproximou com o balde na mão e quando chegou bem perto o agarrou pelos cabelos e mergulhou seu rosto no balde.”
(página 80)
PRÊMIO LEYA 2025
Até 30 de abril estão abertas as inscrições para o consagrado Prêmio Leya, que tem por objetivo incentivar a produção de obras em Língua Portuguesa. O romance vencedor levará o prêmio de 50 mil euros e a Editora Leya fará uma edição com a obra premiada.
PRÊMIO TODAVIA
Também até 30 de abril acham-se abertas as inscrições para a quarta edição do Prêmio Todavia de Não Ficção, que recebe trabalhos de biografias de personalidades brasileiras excluídas da história oficial do país. O vencedor ganhará acompanhamento e edição do livro, mais um contrato de publicação que inclui um adiantamento de R$ 15 mil.
Leituras:
“As massas nunca conheceram a sede de verdade. Elas exigem ilusões, às quais não podem renunciar.”
(Sigmund Freud, 6 de maio de 1856/23 de setembro de 1939, médico neurologista e psicanalista austríaco, fundador da Psicanálise e considerado personalidade mais influente da história no campo de Psicologia).
Destaques:
SAMBA FANDANGO
Autor: Andreas Chamorro
Violência e o crime são tomados do domínio masculino por travestis, mulheres gays e lésbicas neste livro, que se mostra uma ode a histórias margilizadas em um retrato rico e multifacetado. Nascido em 1994, o autor já publicou o romance “Antes que o fruto caia” e as coletâneas de contos “Divindades Solitárias” e “A orgia perpétua ou o relatório de Pimenta.”
Editora Aboio. 228 páginas.
A BIBLIOTECA DOS SONHOS SECRETOS
Autora: Michiko Aoyama
Em cinco histórias independentes que se entrelaçam de maneira sutil, o leitor conhecerá pessoas que estão em momentos diferentes da vida, lidando com situações como a frustração no trabalho, a falta de oportunidades, o medo do fracasso e a vontade de começar de novo. A senhora Komachi, da biblioteca do Centro Comunitário de Tóquio, tem o dom de saber exatamente de qual livro cada visitante precisa para mudar de perspectiva e voltar a alimentar seus sonhos. “A biblioteca dos sonhos secretos” foi vice-campeão do Japan Booksellers Awards de 2021 e já vendeu mais de 250 mil exemplares.
Editora Sextante. 230 páginas. R$ 49,90.
(As obras apontadas no Blog dos Livros podem ser encontradas junto à Revistaria e Livraria Nascente, na Rua Saldanha Marinho, 1423, Cachoeira do Sul)
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