Blog dos Livros
Violência como banalidade
Em uma das histórias mais marcantes de “As sementes que o fogo germina” (Mondru Editoral, 84 páginas), livro de estreia da paulistana Sumaya Lima, uma senhora de 94 anos é lançada de uma ponte em direção ao mar sem motivação aparente. A crueza da cena evidencia o tom irônico da obra, que, entre outros temas, trata da solidão dos idosos, do bullying na infância e da natureza das relações abusivas de maneira instigante e original.
Com histórias que oscilam entre a ironia e o lirismo, Sumaya dá voz a personagens que enfrentam as contradições da existência. A coletânea reúne situações desconcertantes: um menino busca nos elementos da natureza a cura para sua incapacidade de falar; um avô, em seus momentos finais, revive memórias sensoriais que guardou da neta; e uma matriarca não inicia sua festa de aniversário sem antes apagar as velas, entre outras tramas. Mais do que narrar eventos, a obra expõe o papel e o peso das frustrações e das emoções destrutivas nas situações mais cotidianas, incluindo aí o próprio ato da criação literária, sem jamais oferecer respostas definitivas.
Sumaya assume que uma das formas de lidar com o indizível na vida é torná-lo material para a criação ficcional. A aspereza das histórias é um testemunho da coragem da autora de tratar de temas incômodos.
Os 26 contos de “As sementes que o fogo germina” têm início, meio e fim, no entanto, alguns se desdobram em outros capítulos. Ou seja, o enredo que parecia finalizado ganha continuidade, revelando outros mistérios e ensejando, assim, novas perspectivas sobre a história, um dos recursos narrativos que mais se sobressai na obra.
Sumaya Lima nasceu em 1978 na cidade de São Paulo, onde vive até hoje. Formada em Letras pela USP em 2004, sua relação profissional com a escrita é anterior: trabalha com textos desde 1999. De lá para cá, atuou em uma dezena de empresas, com passagens por editoras. Trabalhou também em multinacionais e agências de propaganda, além de dar aulas em cursinhos pré-vestibular e assistência na produção de material didático para a alfabetização de adultos.
Atualmente, com mais de 25 anos de profissão, denomina-se editora, preparadora de originais e revisora de textos freelancer, mas acaba de adicionar mais uma função à sua lista: escritora.
Trecho:
É manhã e nada está ligado. Ainda leio repetidas vezes palavras insuportáveis redigidas sem nenhuma rasura, como é normal na apresentação de uma desgraça. Sem destapar nenhuma lágrima, sou uma torrente de dor. Afago as páginas da carta com as mãos, nos lábios. O redemoinho no meu peito me convoca, e sucumbo. Estou submersa na lembrança do corpo de meu pai à minha frente, rijo, incorruptível, obscuro e inerte.”
(página 19)
MARIELLE FRANCO
A Editora Astral Cultural está lançando “A história de Marielle Franco,” uma biografia voltada para as crianças de autoria de Pâmella Passos, professora, pesquisadora e comadre da ativista que foi assassinada brutalmente em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Em 80 páginas, com linguagem acessível, ilustrações, gráficos, cores e um quiz para reforçar os conhecimentos após a leitura, o livro conta a história da vereadora e socióloga que construiu uma vida de militância política na luta pela igualdade social e políticas públicas em defesa das mulheres.
ANO ÉRICO VERÍSSIMO
Presidida pelo escritor Airton Ortiz, a Academia Rio-Grandense de Letras vai instituir 2025 o “Ano Érico Veríssimo,” em homenagem aos 120 anos de nascimento do escritor (17 de dezembro de 1905) e em memória dos 50 anos de sua morte (28 de novembro de 1975). Gaúcho de Cruz Alta, Érico é considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira.
Leituras:
“Se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida.”
(Anatole France, 16 de abril de 1844/12 de outubro de 1924, escritor francês, agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1921, considerado um crítico irônico, cético e urbano).
Destaques:
MESTRES DO MISTÉRIO
Organizador: Victor Bonini
Neste livro, foram reunidos cinco contos de mistério de autores consagrados dos séculos XIX e XX, com representações de personagens típicas da época. Os autores são Edgar Allan Poe, Jacques Futrelle, G. K. Chesterton, Wilkie Collins e Arthur Conan Doyle, todos eles mestres no assunto.
Editora Veríssimo. 126 páginas. R$ 29,90.
DE ONDE ELES VÊM
Autor: Jeferson Tenório
Depois de “O avesso da pele,” verdadeiro fenômeno cultural, romance aclamado pelo público e crítica, Jeferson Tenório apresenta esta narrativa ao mesmo tempo crua e terna sobre o ingresso dos primeiros cotistas na universidade brasileira. A história se passa em Porto Alegre em meados dos anos 2000. Órfão, desempregado, sem dinheiro e responsável por cuidar da avó doente, Joaquim tenta a todo custo manter vivo seu amor pelos livros e pela literatura num ambiente que se mostra profundamente hostil. Jeferson Tenório é doutor em Teoria Literária e foi professor visitante da Universidade Brown, nos Estados Unidos. Seu livro “O avesso da pele” venceu o Prêmio Jabuti, foi alvo de censura no Brasil e teve os direitos vendidos para Portugal, Itália, Inglaterra, França, Suécia, China, Eslováquia, México e Estados Unidos.
Editora Companhia das Letras. 205 páginas. R$ 49,90.
(As obras apontadas no Blog dos Livros podem ser encontradas junto à Revistaria e Livraria Nascente, na Rua Saldanha Marinho,1423, Cachoeira do Sul)
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