Blog da Poesia
Carnaval com poesia
A poesia é um meio de reflexão sobre a vida e sobre os acontecimentos; sua produção intrinsecamente preserva e reporta sentimentos, o cotidiano, a identidade, as raízes e a cultura de seu povo. Neste contexto a festa pagã se insere. Seja no salão ou na avenida.
O carnaval, maior festa popular do Brasil, possui como premissa, transitar entre o erudito e o popular. Sejam nos sambas-enredos, poemas musicados dotados de ritmos cadenciados que expressam tanto sentimentos individuais quanto questões sociais e/ou culturais (são comuns homenagens a artistas, cidades, fatos históricos...) ou nas fantasias (palhaço, bailarina, cigano, índio...) onde cada folião veste seu sonho, seu devaneio, sua própria loucura particular, alheio a preocupação e despidos da rotina.
A festividade que pode ser considerada praticamente um ritual ou uma celebração nacional por excelência, têm como tônica alguns traços característicos inerentes como a espontaneidade, a magia, a alegria, a criatividade, a harmonia, a diversidade e o apelo informal, entre outros tantos... Além de personagens típicos como o momo e outros advindos da commedia del arte ... Arlequim, Colombina e Pierrot.
Bom divertimento e boa leitura.
Por Tiago Vargas
Naquele carnaval,
Pois,
Pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera:
Ia ser outra que não eu mesma.
Clarice Lispector
O homem e seu carnaval
Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
Soneto de Carnaval
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim
De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica a outra parte a redimi-lo.
Vinicius de Moraes
Poemas poesias versos
Vida, carnaval:
Euforia no começo,
Cinzas ao final...
Francismar Prestes Leal
Carnaval
máscara nacarada
na cara da noite
cravada
insana mente
ser Colombina
mina de pierrôs
sina de arlequins
Colombina purpurina
eis meu eu fora de mim.
Cristina Macedo
Quarta-feira de cinzas
A quarta-feira é de cinzas.
A Colombina que ora flertava
Com o Arlequim, ora com o Pierrot,
Tirou a maquiagem,
Despiu-se da fantasia
E a guardou no fundo do baú.
E lá se foi ela...enfrentar a vida.
A bateria silenciou,
O surdo, o repique,
O chocalho,
E até a meia lua,
Acomodaram-se em suas caixas.
E as fantasias, com suas fantasias,
Jazem em um canto
Encharcadas e suores
E salpicadas de purpurinas.
Só o palhaço
Não consegue limpar o rosto.
As lágrimas borram as cores...
Mas nem o nariz sai?
Palhaço, pobre palhaço...
Terá que enfrentar
Todos os outros dias,
De um país chamado Brasil.
Evanir Jacobi
Carnaval
Não há mais samba,
Calaram-se os agogôs e tamborins.
O som da cuíca deu seu último grito.
E o eco, despediu-se da avenida.
Silenciaram a vozes
Dos puxadores de samba
Roucos estão de tanta cantoria.
Despidas de fantasias e sonhos,
Estão todas as alas...
Desceram dos saltos as passistas,
Dos pés doídos e machucados.
As baianas, que rodavam as saias,
E bailados multicores... descansam.
A porta bandeira
Enrolou-se no manto,
E o estandarte foi sumindo na multidão.
O mestre sala,
Foi ser mestre em outra freguesia.
Não há mais suores em rostos anônimos.
Calaram-se todos os sons.
E os sonhos de carnaval,
Ah, os sonhos de carnaval...
Foram guardados na caixinha mágica,
Onde se guardam todas as ilusões.
Evanir Jacobi
Enterro dos ossos
Encerra-se o carnaval
E nas cinzas
Da minha memória
-embaçada de suor
E pelo cansaço –
Desfila a imagem
De meninos
Que vendiam pipocas,
Dos menores de rua
Que se exibem
Nos intervalos
Dos grandes eventos.
Na nostalgia
Da quarta-feira,
Meu coração
Amanhece angustiado
Com o guri
Fantasiado de gente
Que vive
À margem da folia
Carregando
A bandeira triste
Do esquecimento.
Magali Vidal Domingues
Realidade fantasiada
Os meus poemas
Pulam no trio elétrico
Desfilam em bloco de papel
Desliza pelo corpo de mel
Da linda musa da bateria
Que usa uma máscara...
Dourada de abelha rainha.
As palavras que eu escrevo
Fantasiadas de metáforas
Sambam, e dançam frevo
Fervem de tanta alegria,
Evaporam o pranto na folia
E a chama do carnaval se apaga
E na avenida a fênix não avisa
Que a triste realidade renasce
Na quarta-feira de cinza.
Cleiton Leal
Terça de cinzas
A festa pagã
Brilho e magia
Lembra amanhã
Fim de fantasia...
Sem pão, sem café.
Samba enredo
“Andar a pé
Espantar o medo
Salário de fome
Volta aos trabalhos
O menino e o homem
A vida em retalhos
Compondo a canção
Samba, roubo e futebol
Nesta pobre nação
Cheia de flores e sol.
Mara Garin
Folia caseira
Não fui ao carnaval.
Ouvi música no rádio,
tamborim no bairro de trás.
Na TV,gente colorida,
no jornal ,notícia amanhecida
Fiquei de ressaca
De cara e alma dolorida.
Renate Elisabeth Schmid de Aguiar
Carnaval das palavras
Lá vem elas ...As palavras
Vestidas lindamente de melodia
Invadem meu forte ...Que ironia!
E transformam as minhas
masmorras em folia.
E neste universo da orgia
O meu corpo é alegria .
Lá vem elas ... As palavras
Todas em forma de poesia
Derrubam meus muros ...Que agonia !
E o meu coração pleno de fantasia
Mergulha em imensa euforia.
Lá vem elas ...As palavras
Iluminadas pela luz do dia
Devastam-me como epidemia
Lá vem elas ...Todas nuas
E trazem lembranças tuas.
Marion Cruz
SANTO ENREDO
Se não tem samba
a gente esculhamba!
Se não tem cachaça
a gente esculacha!
Chama a Comissão de Frente
chama a Ala de Havaianas.
Repica esse tamborim
dedilha esse cavaquim.
Se não tem erva
a gente se enerva.
Se não tem pó nem cachimbo
a gente bate o carimbo.
Abre esse largo gargalo
pra gente alegrar o galo.
Dá o torresmo esbranquiçado
pra nóis ficar repimpado.
Vão rezar o enredo santo!
Isso é pouco, por enquanto.
Juntem as mãos num Amém!
Junta aí, você também!
Dilan camargo
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