Blog da Poesia
Miriam Alves
Miriam Alves é uma poetisa, dramaturga e prosadora brasileira, nascida em São Paulo, em 1952. Também é assistente social e professora. Começou a escrever aos onze anos de idade. Nunca mais parou. Integrou o coletivo Quilombhoje Literatura, responsável pela produção dos Cadernos Negros (1982-2011). Em sua apresentação no manuscrito citado sublinhou de modo relevante e irrefutável “comecei chorando, agora grito palavras e lágrimas, os soluços e as agulhas da opressão que ferem fundo minha pele negra”. A escrita de protesto alicerçou seu estilo dissonante, questionador e pungente. Jorge Amado e a pensadora Neusa Santos Souza são alguns autores que influenciaram de modo determinante sua literatura. Ícone do feminismo e da temática negra. Publicou os livros de poemas Momentos de Busca (1983), Estrelas nos Dedos (1985), a peça Terramara (1988), em coautoria com Arnaldo Xavier e Cuti, o livro de ensaios Brasilafro autorrevelado (2010) e a coletânea de contos Mulher Mat(r)iz (2011). Presença constante na cena literária afro-brasileira, Miriam Alves vem tendo seus trabalhos estudados por diversos pesquisadores e objeto de artigos, teses e dissertações em universidades brasileiras e estrangeiras. Poetisa fundamental.
Por: Tiago Vargas
Gotas
Mesmo que eu não saiba falar a língua
dos anjos e dos homens
a chuva e o vento
purificam a terra
Mesmo que eu não saiba falar a língua
dos anjos e dos homens
Orixás iluminam e refletem-me
derramando
gotas
iluminadas de Axé no meu Ori.
Miriam Alves
Pedra no cachimbo
A pedra quando chega acerta
acerta bem no meio dos meus sonhos
bem nos olhos da esperança
e cega
a pedra quando chega
é fumaça em cachimbos improvisados
é cinco segundos de noia eufórica
fúria em descontrole
A pedra quando chega é demo-crática
acerta brancos negros pobre e ricos
Mas os poderes públicos só se sensibilizam
quando a pedra no cachimbo acerta
a vidraça das coberturas dos jardins
à beira-mar
E ameaça transbordar
somando todas as lágrimas de verdes olhos
aos das piscinas de sonhos
senhoriais.
Miriam Alves
CALAFRIO
O sorriso gela
a porta do paraíso prometido
A tarde cobre-se de frio
grita
esconde-se atrás dos
casacos
faz esculpir aquela saudade
do lugar
jamais percorrido.
Escorrem feito sorvete
as esperanças derretidas
no ardor do querer.
Miriam Alves
A persistência do erro
Perdoa-me irmão
E não há indulto possível
Meus ancestrais erraram o caminho, e
O presente não se retrata
Teu suor e teu sangue, eu sei
são a história destas ruas
nas ruínas da memória
onde se esconde a ignomínia
das desgraças que nos sustentam.
Bagual Silvestris
ESCUDO CARDELLA
Palavras ao sol, palavras ao mar e ele ao vento,
transforme este casulo em sentimento;
Tons suaves, voz singela,
liberte o tom da voz dela;
Este sol com olhar brilhante,
este vento com asas do tempo,
viva o casulo do sentimento;
Sobre um tom suave e singelo de seda,
sobre a fragilidade e astúcia dela,
sobre a vida e a pura alma singela,
viva ó
ESCUDO CARDELLA.
Vágner Cerentini
Reciclagem
diário de um catador
SEGUNDA
lata, jornal, papel,
papelão, pet, vidro
TERÇA
lata, jornal, papel,
papelão, pet, vidro
QUARTA
lata, jornal, papel, papelão
QUINTA
lata, jornal, papel
SEXTA
lata, jornal
SÁBADO
lata
Domingo
oxigênio, tubos, agulhas
SEGUNDA
madeira
Renate Schmidt
Fortuna
De que valem estes rubros
delitos
da consciência
se minha paz
oblíqua
os denuncia
e o galope do vento
os carrega
e o estrondo do mar
os ensurdece
e a vida
os atrofia?
Cecilia Kemel
Raízes inspiradoras
De mente inquieta
no olhar perspicaz
narrando o meu tempo
costumes e os fatos
na cidade natal
divertida e singela
de estrutura poética
só basta olhar
no prefácio da obra
meus olhos e fatos
pessoas do meio
lugares encantados
descendentes e origens
buscando moldados
valores e certezas
das raízes inspiradoras.
Jorge Corrêa
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