Blog do Cinema (antigo)
Terror em Preto e Branco fica longe do habitual
O Farol
As críticas as vezes nos enganam, e muito. Recentemente um longa foi vendido pelos especialistas como um dos melhores filmes de terror dos últimos tempos, com clima denso e extremamente imersivo. Acredito que “O Farol” tenha passado longe disto (pelo menos do terror que comumente reconhecemos). De qualquer forma a obra nos brindou com ótimas interpretações, uma experiência em preto e branco interessante e um enquadramento no mínimo curioso. No entanto, susto, medo, suspense, não é o forte desta película, do mesmo diretor de “A Bruxa” (2015).
Terra Firme
O Farol inicia com a chegada de dois marinheiros para cumprir uma estadia de quatro semanas, cuidando de um imenso farol, em uma ilha distante. Aparentemente a cada mês um barco aporta na rocha, para trocar a equipe de vigilantes. Assim, os desconhecidos terão que aprender a conviver durante este tempo. Logo no início da relação o faroleiro mais velho se impõe como chefe do local. De nome Thomas Wake, o lobo do mar define que apenas ele terá direito de cuidar da luz. Faz isto referindo-se aquele imenso feixe luminoso, saído da torre, que orienta os navios que atravessam as águas perigosas. O tímido novato, Ephraim Winslow, não parece gostar das ordens, mas como bom iniciante obedece. Caberá a ele as tarefas mais indigestas de manutenção do local, como limpar as instalações, fazer reparos e pequenas pinturas.
O Choque das Ondas
Logo Ephrain percebe que a convivência com Thomas não é nada fácil. Além de possuir uma postura abusiva com o novato, o velho tenta impor a suas superstições de homem do mar. Entre essas defende que as gaivotas não podem ser espantadas das áreas de convivência, pois carregam as almas dos marinheiros mortos. Aos poucos Ephraim vai chegando ao seu limite com Tom. Neste momento começa a desconfiar que, ao se trancar no farol, seu chefe esconde mais que a rotina de cuidar para que a luz não se apague. Enquanto o final da temporada não chega ao final, o jovem deverá descobrir qual segredo se esconde por trás de Tom e seu farol. Esta será a única forma de sair vivo daquela rocha, ou ficar preso a ela para sempre.
Mar Negro
Esteticamente, “O Farol” é um filme muito bem desenvolvido. Para se diferenciar de outras produções o diretor optou por utilizar uma apresentação monocromática, o conhecido “preto e branco”. Ela por si só amplia o sentimento incômodo no espectador. Já é terrível ficar isolado em uma rocha, sem nenhum contato com a civilização. Este efeito de solidão é ampliado imensamente ao ser apresentado em tons de cinza.
Olhar de Marinheiro
O enquadramento também fortalece o desconforto. O diretor involuiu sua câmera para antes do “cinemascope” (a tela larga dos cinemas e TVs atuais). “O Farol” possui uma apresentação quase quadrada, que a princípio não parece influenciar muito. Mas, com o desenrolar da fita, aumenta a sensação de estar em um local apertado, mesmo que o cenário seja uma ilha, com todo o mar aberto em volta.
A voz da Maresia
No quesito som o diretor também retorna para os primórdios do cinema. Toda a mixagem é apresentada em formato mono, ampliando a voz dos atores. Este artifício é muito importante nas gigantescas discussões que ocorrem entre eles, durante todo o percorrer do filme. Nestas horas Tanto Wilian Dafoe, quanto Robert Pattinson demonstram toda a sua capacidade de interpretação, alterando seu humor, e com isto suas faces, trejeitos e palavras. A tela não fornece grandes atributos, mas permite que o espectador possa analisar profundamente todo o trabalho teatral que ambos estão desenvolvendo.
Terror sem medo
O que decepciona em “O Farol” é o mesmo que já havia desagradado em “A Bruxa”. O filme anterior do Diretor Robert Eggers, levava os espectadores para uma história lenta que contava as dificuldades de uma família de colonizadores do novo mundo. Estes estariam enfrentando uma bruxa. O filme não se desenrolava, angustiando os espectadores mais pelas dificuldades que os personagens passavam em sua vida mundana, do que por situações sobrenaturais. “O Farol” é um terror apresentado praticamente da mesma forma.
Rotina que assusta
No longa em alto mar, você fica desconcertado com aquele mundo que vivem os dois homens, em situações degradantes. Eles precisam conviver com o trabalho desumano, o combate as intempéries, até a convivência direta com suas flatulências e dejetos. No entanto, a apresentação do sobrenatural, quando acontece, sempre surge de uma forma subliminar. O espectador mal entende se os seres de outro mundo se tratam de visitas reais ou apenas sonhos e ilusões. Ou seja, o que te afeta é a vida terrível dos habitantes da ilha, e jamais o terror da forma que conhecemos.
É duro viver no mar
O Farol deveria ter sido vendido como um drama apenas. Uma história sobre uma situação real, que conta com elementos abstratos. Isso certamente seria mais honesto que tratar o filme como terror imersivo. A fita é interessante, por utilizar a lente cinza, acerta no enquadramento e na edição de som. Também se sobressai na ótima atuação dos dois atores. No entanto está longe de ser um filme de terror.
O canto da Sereia
De qualquer forma, O Farol é uma obra diferente, meio repugnante, cansativa e arrastada, como deve ser quatro semanas numa rocha em alto mar. Mas não é, nem de longe, o terror que a crítica tenta vender. Sem problemas, que sirva de experiência para que não acreditemos piamente nas ideias que nos aplicam. Que “O Farol” nos ilumine entre as tempestades e auxilie a navegar no mar do cinema, tirando nossas próprias conclusões sobre os estilos diversos e as armadilhas que podemos encontrar com o canto da sereia, em forma de sinopses e comentários alheios.
Trailers
Elenco, Citações e Referências
Thomas Wake - Willem Dafoe, Platoon, 1986
Ephraim Winslow - Robert Pattinson, Crepúsculo, 2008
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