Blog da Poesia

Wilson Alves-Bezerra

24/02/2021 08:14

A poesia brasileira contemporânea tem nos apresentado extremamente plural e nos brindado com poetas e poemas das mais variadas vertentes e dicções. Wilson Alves-Bezerra é um desses nomes. Nascido em São Paulo em 1977, é poeta, escritor e tradutor. Graduado em Letras pela USP e Doutor em Literatura Comparada pela UEEJ. Traduziu obras de gênios latinos como Horácio Quiroga, Alfonsiva Storni e Luis Gusmán.

Bezerra é um escritor singular que leva intrinsecamente ao limite as potencialidades da lírica e do fazer poético. Extraordinário e antagônico seus versos se associam as palavras emprestando a semântica múltiplas dimensões linguísticas de caráter surrealista e ousado. Em seu método de composição imagens e palavreados são de desagregam. Autor de Vertigens (Prêmio Jabuti de Poesia – Escolha do leitor, em 1015) os paradoxos são sua matéria prima e compõem a partitura do lugar para orquestrar seu mundo. Múltiplo, invulgar, criativo e original.

a canção do exílio
Minha terra tem palmeiras onde mija o jucá. As leis que alguma vez havia não funcionam mais por lá. Minha terra tem pães de açúcar para turista fotografar, pretas bonitas para comer, bater, matar. Minha terra tem mordomos, castas, clãs e clubes de tiro, e toda noite, segunda a domingo, brinca-se de polícia e ladrão. Minha terra tem palmeiras e quase já tem militar. Não permita zeus que eu sofra nas masmorras da febem, do depê ou do jecrim. Numa terra assim de grande, tanta natureza, tão pouca história, por que falta a memória para perguntar quem dá os tiros? Minha terra tem o coco, tem o oco, tem as bundas e os festejos, minha terra não tem pretos, só moreninhos, mulatinhas, tudo orgulho da comunidade. E para os machos de verdade, vaselina para os cuzinhos infantis. Minha terra não tem livros, mas tem círios, não tem leitores, mas senhores — de terno nem sempre bem cortado — que carregam bíblias, mas não se comovem. Minha terra tem milico, tem o mito, tem michel e tem pezão. Minha terra tem tortura, atentados à cultura e até crime estatal. Constituição já não precisa, camelúcia é que autoriza, de acordo com a convicção. Minha terra sim tem dono, tem o ônus de tortura, desmando e escravidão. Ao cismar sozinho à noite, me coço inteiro a perguntar: para que tanta palmeira, tanta amazônia, tanta besteira, se tudo se acaba em jucá?

Wilson Alves-Bezerra

E agora que já queimamos a bruxa e já prendemos o anticristo. E agora que fechamos as exposições de arte que tem bunda e que tem pinto. E agora que acabamos com as bolsas de pesquisa que não viram tecnologia. E agora que fechamos os ministérios mais inúteis e cabides de emprego. E agora que o exército está no morro e limpa as ruas com a polícia. E agora que se protege a escola de história, de filosofia e outras doutrinas. E agora que os direitos humanos têm seus dias contados, e só nós, direitos, os teremos assegurados. E que um grupo de juízes, promotores, tementes a deus e mui convictos zelam por nós. E agora mesmo que as leis do trabalho já são flexíveis e o empresário pode barganhar. E agora que só a meritocracia de famílias abastadas tende a triunfar. E agora que os sindicatos, sem impostos obrigatórios, hão de perecer sem pão. E agora que há mais ordem, mais justiça e mais família. E agora que os processos que interessam bem rápido hão de andar. E agora que o país se moderniza e o comunismo não tem espaço na vida nacional. E agora que as notícias são só boas e que avançamos como nunca. E agora que os aviões já andam mais limpos, e os aeroportos mais arejados. E agora que é para nós e somente para nós este país. E agora?

Wilson Alves-Bezerra

XIV.
O cheiro de hotel barato que emana da cabeça. O gosto de travesseiro mofado quase na garganta. Cada ponto de pó, em fila, no trilho de um facho pela fresta, para cima ou para baixo. A casa da infância grande como uma solitária e tão luminosa quanto; os velhos se cobrem com terra num jardim sem brinquedos. As irmãs, ansiosas, carregam uma lancheira com vômito e frutas, e trazem o desandador. Cada movimento será novo sobre a terra; dizem para não pisar na grama, para não quebrar os ossos dos antigos, que em paz. Os lábios de Eleutéria pararam no meio da ida, a boca ainda cheia, a frase ainda pouca. Pode-se parar tudo para recomeçar mais tarde. A janela aberta, meio bilhete, a galinha morta toda penas. Só o desandador não permite parar. Bendita a boca sem lábios de Eleutéria, suspensa à beira da voz.

Wilson Alves-Bezerra

Direito ao esquecimento
Quero exercer o direito ao esquecimento
sem respostas, obter só evasivas
Quero - caro leitor, o direito a veto
mutilar a dor de parto
ante o óbvio
Quero fingir meu arrependimento
censurar quem não se atreve
Quero o que a falta de decoro provoque
abordar poema
como agente autoritário
Quero ignorar o resultado da pesquisa
urge o presente ser maniqueísta
Quero dar a minha versão da notícia
tão latente
ser o quanto discrepe
Quero alvejar em rajadas sua mente
como quem quara roupa no varal
Quero que o desmitifiquem
atrapalhe o balanço
do desmiolado
Quero ao contrário da manchete
retroceda o posto em xeque,
à moda consciente.
Gerson Nagel

Com a ciência
Vejo o mundo de perto
Com os sonhos
Vejo o mundo de longe
Com você
Vejo o mundo por dentro
De um poema
Que vê tudo de mim
Edison Botelho

OFICINA LITERÁRIA
- Retífica de metáforas
- Retirada dos arranhões
da lataria dos substantivos
- Restauração do estofamento
dos adjetivos
- Encurtamento das carrocerias
dos parágrafos
- Acabamento em proparoxítonas
Robson Alves Soares

A poesia deve pulsar
Das bofetadas que a vida dá ...
Bernardete Saidelles

Quando me pego pensando
Nós tempos de outrora
Com a nostalgia
De um doente a beira do inevitável
Penso nos caminhos tortuosos
Que percorria nas ruas suja
Da minha amaldiçoada cidade
Nós neons apagados
Nós rostos pálidos e infelizes
Quando me pego em pensamentos
Me vejo atravessando
A sete, a Júlio a Brasil
Desejando uma garota, uma dose ou a morte
Desejando tudo
Menos estar ali
Minha nostalgia
Talvez seja diferente da sua
Mas entenda que o tempo
As vezes não faz tudo esquecer
O quando desgraça foi a vida
Nessa cidade no cú do mundo
Nesses idos remotos tempos
Trago comigo
Um gosto amargo
Um gosto de nostalgia
A minha maldita nostalgia
Teton Beat

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